segunda-feira, 15 de agosto de 2011

Os Problemas da Interpretação Bíblica

Um dos fatos que dificultam a interpretação bíblica é o fato de ela ser um livro antigo. O Pentateuco foi escrito por volta de 1.400 a.C. Portanto, desde que os primeiros livros da Bíblia foram escritos, temos um espaço de tempo de aproximadamente 3.400 anos. Há quem pense ser capaz de interpretar passagens bíblicas de forma isolada e dissociada de qualquer contexto, portanto, para uma que uma boa hermenêutica bíblica seja realizada, alguns abismos precisam ser transpostos:
1.    Abismo Cronológico: “Devido à gigantesca lacuna temporal, um abismo enorme separa-nos dos autores e dos primeiros leitores da Bíblia. Como não estávamos lá, não podemos conversar com os autores e com os primeiros ouvintes e leitores para descobrir de primeira mão o significado do que escreveram (ZUCK, 1994, p.17)”.

2.    Abismo Geográfico: “Atualmente, a maior parte dos leitores da Bíblia vive a milhares de quilômetros de distância dos países onde se deram os fatos bíblicos. Foi no Oriente Médio, no Egito e nas nações mediterrâneas meridionais da Europa de hoje que as personagens bíblicas viveram e peregrinaram. A área estende-se desde a Babilônia, onde hoje é o Iraque, até Roma (e talvez a Espanha, se é que Paulo foi até lá). Essa distância geográfica deixa-nos em desvantagem (ZUCK, 1994, p.17)”.

3.    Abismo Cultural: “Existem grandes diferenças entre a maneira de agir e de pensar dos ocidentais e a das personagens das terras bíblicas. Portanto, é importante conhecer as culturas e os costumes dos povos dos tempos bíblicos. Muitas vezes, a falta de conhecimento de tais costumes gera interpretações errôneas (ZUCK, 1994, p. 17)”.
EXEMPLO:
Imagine se você pudesse voltar ao passado, há alguns milênios na história, e fizesse uma visita ao rei Salomão em sua corte, e você com toda essa cultura ocidental hodierna. Durante a conversa você falaria sobre internet, computador, luz elétrica, telefone celular, viagens espaciais, TV Digital, etc. Obviamente que Salomão ficaria surpreso diante de tanto avanço tecnológico, e além da surpresa, com certeza teria muita dificuldade para compreender todo esse desenvolvimento tecnológico. A recíproca, portanto, também tem sua verdade, isto, em relação à cultura desenvolvida e vivida pelos povos dos tempos bíblicos.
Segundo Esdras Costa Bentho, “para compreendermos perfeitamente essa cultura, expressa principalmente através da linguagem, são necessárias introspecção e empatia com ela[1]”. Destarte, como Salomão encontraria dificuldades para compreender a cultura atual marcada por tantos avanços tecnológicos e teria que depreender esforços para entendê-la, assim nós também precisamos nos esforçar bastante para apreender a cultura bíblica. Portanto, os povos que viveram na época em que os autógrafos foram escritos, tiveram maior habilidade em assimilar o conteúdo bíblico, pois estavam presenciando e vivenciando a mesma ou a similaridade da cultura em que viviam os escritores sacros. Vejamos a importância de conhecermos os aspectos culturais para a aplicação da hermenêutica bíblica:
3.1 PORQUE JONAS NÃO QUERIA IR PARA NÍNIVE? “Fontes seculares dão conta de que os ninivitas cometiam atrocidades com seus inimigos. Eles decapitavam os líderes dos povos conquistados e empilhavam as cabeças. Às vezes, colocavam numa jaula um chefe capturado e tratavam-no como animal. Era seu costume empalar os prisioneiros, deixando agonizar até à morte. Por vezes, esticavam as pernas e os braços do prisioneiro e esfolavam-no ainda vivo. Não é de admirar que Jonas não quisesse pregar uma mensagem de arrependimento aos ninivitas! Ele achava que mereciam ser julgados por suas atrocidades (ZUCK, 1994, p.93)”.
3.2 PORQUE ELIAS PROPÔS QUE O MONTE CARMELO FOSSE O LOCAL DE SUA DISPUTA COM OS 450 PROFETAS DE BAAL? “Os seguidores de Baal acreditavam que este habitasse no Monte Carmelo. Portanto, Elias deixou que eles jogassem em casa. Se Baal não conseguisse fazer cair um raio sobre um sacrifício em seu próprio território, sua fraqueza se tornaria evidente (ZUCK, 1994, p.94)”. Precisa ser levado em conta ainda, o fato de os cananeus verem em Baal o domínio sobre a chuva, os raios, o fogo e as tempestades, detendo então domínio sobre esses elementos da natureza. Antes deste episódio houvera uma seca que perdurou por três anos e meio, fato este, que comprovou que Baal não exercia o domínio sobre a chuva, a exemplo do que criam os seus seguidores. Sua incapacidade ainda é demonstrada pelo fato de não conseguir fazer descer fogo sobre o sacrifício no monte, onde para seus seguidores, era sua própria habitação.
3.3 EM 2 REIS 2.9, QUANDO ELISEU DISSE A ELIAS: “...Peço-te que me toque por herança porção dobrada do teu espírito”, será que ele estava pedindo duas vezes mais poder espiritual do que Elias tinha? Não, estava expressando o desejo de ser seu herdeiro, seu sucessor. De acordo com Deuteronômio 21.17, o primogênito de uma família tinha direito de receber em dobro sua parte da herança deixada pelo pai (ZUCK, 1994, p.97). Portanto, Eliseu não ambicionava presunçosa e orgulhosamente ter duas vezes mais poder que Elias, mas desejava ser herdeiro da missão profética exercida por Elias.
4.    Abismo Linguístico: “(...) existe enorme lacuna entre nossa forma de falar e de escrever e a dos povos bíblicos”. Os idiomas em que a Bíblia foi escrita – hebraico, aramaico e grego – têm singularidades estranhas à nossa língua.
Por exemplo:
·         No Hebraico e Aramaico dos autógrafos (AT) só havia consoantes, as vogais estavam subentendidas e, portanto, não eram escritas;
·         As vogais foram acrescentadas ao texto sagrado bem mais tarde, por volta de 900 d.C., através da atividade desenvolvida pelos massoretas;
·          Tanto o hebraico quanto o aramaico são lidos da direita para a esquerda, e não da esquerda para a direita;
·            Não havia separação entre as palavras.
·         As palavras escritas nessas três línguas bíblicas emendavam-se umas às outras. Poderíamos exemplificar isso em português da seguinte forma: HCTMDVSCRP. Lendo da direita para a esquerda, o hebreu logo perceberia quatro palavras, que em português seriam: PRCSV D M TCH. Não é muito difícil deduzir o significado da frase: “Precisava de um tacho”. Por outro lado, as letras TCH também poderiam ser interpretadas como tocha ou tacha, além de tacho. Então, como é que um leitor saberia qual a palavra além de tacho. Então, como é que um leitor saberia qual a palavra pretendida? Normalmente, podia-se depreender o significado pelo contexto (ZUCK, 1994, p. 18)”.
5.    Abismo Literário: “Existem diferenças entre os estilos e as formas de escrita dos tempos bíblicos e os do mundo ocidental moderno. Dificilmente nos expressamos com provérbios ou parábolas, no entanto grande parte da Bíblia foi escrita em linguagem proverbial ou parabólica. A linguagem figurada, que era usada com frequência, às vezes dificulta nossa compreensão. Vejamos por essas declarações de Jesus: “Eu sou a porta” e “Eu sou o Pastor”. Evidentemente, ele não quis dizer que era literalmente feito de madeira com dobradiças, nem que possuía ovelhas de verdade e as apascentava no campo. Cabe ao intérprete tentar apurar o que Jesus de fato quis dizer com tais afirmações (ZUCK, 1994, p.19)”.

6.    Abismo Espiritual: “É importante ressaltar também que existe um abismo entre a maneira de Deus agir e a nossa. O fato de a Bíblia ser um livro sobre Deus coloca-a numa posição sem-par. Deus, que é infinito, não pode ser plenamente compreendido pelo que é finito. A Bíblia relata os milagres de Deus e suas predições sobre o futuro. Ela também fala de verdades difíceis de ser assimiladas, tais como a Trindade, as duas naturezas de Cristo, a soberania de Deus e a vontade humana. Todos estes fatores, somados a outros, agravam a dificuldade que temos de entender plenamente todo o conteúdo das Escrituras (ZUCK, 1994, p.19)”.

REFERÊNCIAS
BENTHO, Esdras Costa. Hermenêutica fácil e descomplicada. 10ª Impressão. Rio de Janeiro: Cpad, 2003.
ZUCK, Roy B. A interpretação bíblica. São Paulo: Vida Nova, 1994. 356p.

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[1] BENTHO, Esdras Costa. Hermenêutica fácil e descomplicada. 10ª Impressão. Rio de Janeiro: Cpad, 2003. p.74.

Fonte: http://pbangelo.blogspot.com/

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