segunda-feira, 8 de agosto de 2011

Existem ainda Apóstolos nos dias de hoje?

Efésios 4.11-14“E Ele deu uns como apóstolos, e outros como profetas, e outros como evangelistas, e outros como pastores e mestres, tendo em vista o aperfeiçoamento dos santos, para a obra do ministério, para edificação do corpo de Cristo; até que todos cheguemos à unidade da fé e do pleno conhecimento do Filho de Deus, ao estado de homem feito, à medida da estatura da plenitude de Cristo; para que não mais sejamos meninos, inconstantes, levados ao redor por todo vento de doutrina, pela fraudulência dos homens, pela astúcia tendente à maquinação do erro;”

Gostaria nessa semana de abordar o modismo do apostolado. Antes de mais nada, faz-se importante o entendimento de que cada um dos dons ministeriais de Ef 4.11 (apóstolos, profetas, evangelistas, pastores e mestres) são dados pelo Espírito Santo para pelo menos 3 finalidades: 1) para que a igreja seja aperfeiçoada e edificada, 2) para que não sejamos meninos inconstantes e 3) para que não sejamos levados por ventos de doutrinas (modismos que vêm e vão), heresias e ensinos tendenciosos. Assim sendo, a Igreja precisa ter esses dons em operação e dar a devida liberdade ao Espírito “até que todos cheguemos à unidade da fé e do pleno conhecimento do Filho de Deus, ao estado de homem feito, à medida da estatura da plenitude de Cristo”. Esse é um tema que aparentemente divide a opinião de teólogos da atualidade. Digo aparentemente, porque é praticamente unânime a opinião dos teólogos tradicionais e dos pentecostais clássicos e autônomos de que tal título como ofício eclesiástico não obteve sucessão entre os seguidores de Cristo. Os que defendem o título, são em sua maioria líderes neopentecostais e até mesmo a ICAR (Igreja Católica Apostólica Romana). Embora não vejamos o título literal de “apóstolo” entre os católicos, o vaticano usa para com o Papa uma autoridade que a Bíblia não concede a ninguém e daí temos os vários embates de uma suposta sucessão apostólica.  Crêem eles que o papa é o sucessor ininterrupto de Pedro, mas não há apoio bíblico e sequer histórico para tal afirmação.

Lemos, por exemplo, em At 12.17, logo após Pedro ser liberto da prisão: "E, saindo, partiu para outro lugar". Para onde ele foi depois de ser liberto pelo anjo? Pode ser Roma, Antioquia ou qualquer outra localidade. Não obstante a Bíblia fazer silêncio sobre o assunto, os católicos afirmam ser fato incontestável ter sido o apóstolo Pedro o fundador da igreja em Roma. Atribuem-lhe ainda um pontificado de 25 anos, na capital do Império, e conseqüente morte neste lugar. É claro que estas ligações são a priori de valor inestimável, pois entrelaçadas vão robustecer a tese vaticana da primazia do papado. Contudo, há de se frisar que somente a chamada tradição vem em socorro das causas romanistas nestas horas e, mesmo assim, de maneira dúbia. Basta analisarmos cautelosamente a Bíblia Sagrada: Pedro não pode ter sido papa durante 25 anos, pois foi martirizado no reinado do Imperador Nero, por volta do ano 67-68 d.C. Subtraindo-se 25 anos, retrocederemos ao ano de 42 ou 43. Nessa época não havia se realizado o Concílio de Jerusalém (At 15), que se deu por volta de 48-49 d.C., do qual Pedro participou (mas não deveria, pois segundo a tradição, nesta época, ele estava em Roma), no entanto, foi Tiago quem o presidiu (At 15.13-21). No ano 58 d.C., Paulo escreveu a epístola aos Romanos. E no capítulo 16 dirigiu uma saudação para muitos irmãos, mas Pedro sequer é mencionado. Paulo chegou a Roma no ano 62 d.C., e foi visitado por muitos irmãos (At 28.30-31), todavia, nesse período, não há qualquer menção de Pedro. O apóstolo Paulo escreveu quatro cartas de Roma: Efésios, Colossenses, Filemom (62 d.C.) e Filipenses (entre 67/68 d.C.), mas Pedro não é mencionado em qualquer delas. Se Pedro estava em Roma no ano 60 d.C., como se deve entender a revelação referida no livro de Atos, em que Jesus disse a Paulo: "Importa que dês testemunho de mim também em Roma?" (At 23.11). Pedro não deveria estar cumprindo esta função? Onde se encontrava o suposto papa de Roma nesta ocasião?

Outros equívocos estão no pensamento evangelical e para analisá-los melhor, entendamos primeiramente o que a Bíblia diz sobre Apóstolos. Essa pessoa deveria ter sido testemunha ocular de Jesus Cristo ressurreto e ainda ter recebido tal comissionamento diretamente do Senhor Jesus. O sucessor de Judas Iscariotes deveria ter essas qualificações, conforme está registrado em At 1.21,22. Depois da substituição de Judas por Matias, o último que pôde preencher tais requisitos foi Paulo (At 9.1-6; Gl 1.1; 1 Co 9.1; 15.7-9). Segundo o professor Márcio Redondo, o movimento apostólico teve uma forte aparição a partir de 1980 e é dividido em pelo menos três grandes redes: carismática (neo-pentecostal), messiânica e judaizante. Em todas essas redes a ênfase em batalha espiritual é muito forte. De acordo ainda, com o professor Márcio, “o movimento apostólico ensina que cada apóstolo possui autoridade espiritual sobre territórios específicos. Um é apóstolo de Buenos Aires, outro é da Cidade do México, e assim por diante. É claro que o Brasil também já está loteado”1. Pelo fato de enfatizarem bastante a batalha espiritual, doutrinas como a quebra de maldições e atos proféticos são comuns. Ele até conta no mesmo artigo que “um outro amigo me contou de um ‘apóstolo’ aqui no Brasil que, na sua estratégia de batalha espiritual, resolveu delimitar as fronteiras de sua jurisdição. Como Jesus Cristo é apresentado na Bíblia como o leão de Judá (Apocalipse 5.5) e como os leões demarcam seu território com urina, esse 'apóstolo' começou a sair pelas ruas de sua cidade e circunscrever sua área com... sua própria urina! Quanta ingenuidade!”. E coloque ingenuidade nisso. Outro dia vi um “apóstolo” desses aí que usava como fivela do cinto um cifrão ($). Será que ele achava ser isso uma espécie de ato profético para atrair prosperidade?

O Reverendo Marcelo Parga de Souza, da Christ Reformed Church em Anaheim, Califórnia explica a etimologia do termo:

“Existem dois sentidos básicos para o termo ‘apóstolo’. De um modo mais geral, o termo se refere a qualquer pessoa que seja um enviado ou emissário de Deus através da Igreja para uma obra especial, seja de liderança ou não (e.g., Fl. 2:25). Esse significado provém da correlação entre o substantivo "apóstolo" (πόστολος) e o verbo em grego que significa "enviar" (ποστέλλω). Nesse sentido mais geral, não há dificuldade em se aceitar que qualquer pessoa pode ser um apóstolo de Deus. Qualquer pessoa pode ser enviada, por exemplo, por uma igreja para o trabalho missionário, e, nesse sentido amplo, ela é um apóstolo de Deus. No Novo Testamento, porém, o sentido mais comum da palavra é o sentido técnico e restrito, se referindo a um grupo seleto dos apóstolos de Cristo. A palavra traduzida "apóstolo" (e suas derivações) é encontrada 80 vezes no texto grego do Novo Testamento (Nestle-Aland 27a. Ed.). Dessas, ela tem esse sentido restrito nada menos do que 73 vezes. O sentido mais amplo de "enviado" ocorre somente 5 vezes (Jo. 13:16; 2 Co. 8:23; Fl. 2:25; At. 14:4 e 14 são duas referências ambíguas); ela se refere uma vez a Jesus Cristo (Hb. 3:1); e, finalmente, há 3 ocorrências que apresentam dificuldades exegéticas, podendo ter tanto o sentido mais amplo como o mais técnico: Rm. 16:7; At. 14:4; 14”2.

No sentido mais amplo da palavra, isto é, enviado, podemos entender que qualquer pessoa pode ser enviada para uma missão. No sentido técnico da palavra, entendemos que o Apóstolo tinha uma autoridade diferenciada. Seus escritos eram considerados como inspirados, conforme vemos em passagens como 2 Pe 3.2; 1 Co 14,37; 1 Ts 2.13; 2 Pe 3.16. Os “Apóstolos” modernos teriam essa autoridade? Fariam parte do cânon bíblico escritos do Apóstolo Renê Terra Nova, Apóstola Valnice Milhomens, Apóstola Neuza Itioka? Uma vez que o ofício apostólico não possui embasamento bíblico para os dias de hoje, o que dizer então de Apóstolas? O ofício feminino não é bíblico, mas vemos sim cooperadoras da Obra de Deus, sem, no entanto, levarem títulos de apóstolas, bispas, pastoras ou outros. Algo que devemos ressaltar é que as mulheres do mundo oriental eram desprezadas, tratadas como seres inferiores, que não tinham direito à voz, à educação e nem sequer eram contadas quando se queria saber quanta “gente” havia, quando era feito o censo. O que encontraremos com freqüência eram mulheres com o dom de profecia: Miriã (Ex 15:20), Débora (Jz 4:4), Hulda (2 Rs 22:14), Ana (Lc 2:36-38) e as 4 filhas de Felipe (At 21:9). Além disso, Evódia e Síntique em Fl 4:2-3 trabalhavam com Paulo, como cooperadoras, Priscila e seu marido Áquila são chamados também de cooperadores em Rm 16:3. A mesma Débora era também juíza. Outra passagem interessante é a da mulher samaritana em Jo 4 27-29 que larga seu cântaro e vai à cidade anunciar o Cristo. Em Rm 16:12b Paulo também diz sobre Pérside, que muito trabalhou no Senhor. O que enxergamos é que as mulheres cooperavam, isto é, ajudavam para que o Evangelho fosse propagado, mas não lhes era atribuído títulos. Baseado nessa ajuda que as mulheres tanto davam no Novo Testamento o título mais aceito hoje é o de missionária.

Podemos concluir sem medo de errar, que não existem apóstolos nos dias de hoje, senão missionários, no sentido mais amplo da palavra. Pessoas estas que são fundamentais para a propagação do reino de Deus, os plantadores de igreja, que entregam verdadeiramente suas vidas por amor a Cristo. Porém, ressalto aqui a importância dos demais dons ministeriais. A Igreja de Cristo também precisa de profetas, homens e mulheres que realmente não têm medo de exortar o povo de Deus e conclamar conserto, pessoas que não temem ser tachados de quadrados e que andam na contramão do mundo em favor do Reino de Deus. Não apenas missionários e profetas, mas evangelistas que não se envergonham do Nome e que preguem o genuíno Evangelho. Não apenas os três, mas pastores que apascentem o rebanho de Deus “não por força, mas espontaneamente segundo a vontade de Deus; nem por torpe ganância, mas de boa vontade; nem como dominadores sobre os que vos foram confiados, mas servindo de exemplo ao rebanho” (1 Pe 5.2,3). Embora todo pastor seja um mestre, nem todo mestre é um pastor. Para que o corpo cresça saudável, com interdependência aos missionários, profetas, evangelistas e pastores, devem os mestres ensinar a bendita Palavra de Deus com alegria e contribuir para “o aperfeiçoamento dos santos, para a obra do ministério, para edificação do corpo de Cristo” (Ef 4.11).



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1 REDONDO, Márcio. Apostolado ou Apostolice. Site da Agência de Informações Religiosas, www.agir.com.br

2 SOUZA, Marcelo Parga de. Há Apóstolos hoje? São Paulo, 2006. Site da Agência de Informações Religiosas.

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